GUARDA
COMPARTILHADA: o que não está sendo considerado
Que os filhos não devem sofrer nenhum
processo de afastamento quando da separação dos pais, todos concordamos é
claro. Afinal, não há divórcio para filhos. Mas, há uma ilusão que perpassa a
tese da Guarda Compartilhada Obrigatória, lei sancionada recentemente.
Faz-se necessário considerar que uma Lei
não muda um comportamento. Poucos, aliás, pouquíssimos são os homens que
participam das operações diárias das crianças. Estas raras ações são, em geral,
negociadas pelas mães, sendo seguidas nos casos de sucesso da negociação, por
autoelogios, comparações com os maridos das amigas, assim como seguidos por uma
busca de infindáveis recompensas junto à mãe da criança, configurando,
claramente, o caráter de favor prestado.
Os pais homens não dão uma passadinha no
supermercado depois do trabalho, espontaneamente, porque lembraram que o leite
ou a fruta da criança está acabando. Até quando lembrado, expressamente, pela
mãe, eles podem esquecer. Não é por maldade, é por cultura.
Os pais homens não internalizaram que o
filho é responsabilidade da mãe e do pai, igualmente. Só que este “igualmente”
não quer dizer que maternagem e paternagem sejam funções iguais. Ou que o tempo
físico deve ser dividido no meio, como se a criança pudesse ser dividida no meio.
É lamentável que os Operadores de Justiça
estejam desconsiderando o comportamento masculino. Curioso é que estes mesmos
Operadores que estão exultando com a sanção da Lei da Guarda Compartilhada,
eles mesmos tenham o ranço do machismo e da misoginia. As mulheres estão
pagando o pão que o diabo amassou por terem ousado a autonomia, o
profissionalismo, os direitos legítimos como sujeito que são. São acusadas de
vingativas porque não suportam serem trocadas por uma outra, são acusadas de
uso de seus filhos crianças como moeda de troca, são acusadas de se fazerem de
vítimas dos ex-maridos. Estes, uns fofos. Se assim fosse, a Lei Maria da Pena
não estaria sendo tão desobedecida. É cotidiano, entre nós, o comportamento
violento de homens contra suas mulheres, e não diminuiu o número de homicídios
de mulheres por torpes motivos machistas e misóginos.
Gostaria de saber por que só as mulheres
ficam frustradas quando de um rompimento matrimonial? Os homens são muito
resolvidos emocionalmente, e entendem muito bem quando são trocados por um
outro homem? Neste momento da troca de amor da mãe, eles se referem à mãe só
com adjetivos elogiosos para a criança?
Gostaria de saber também se a nova Lei vai
tirar o pai do sofá da televisão, do jogo de futebol, da cervejinha no boteco
com os parceiros de copo, para ficar com o filhinho ou a filhinha brincando de
carrinho ou de boneca, ou para dar a refeição ou fazer adormecer.
Gostaria de saber se obrigando o pai a ter
mais tempo físico, cronológico, sem considerar a mentalidade masculina e
machista em vigor, aumentará o afeto entre pais e filhos?
Sociedade cenográfica inspirada em
publicidade de margarina no café da manhã garantindo pelo produto a família
feliz, é arremessar as próximas gerações em direção ao aumento exorbitante de
falso self, formação de personalidade “como se”. A imitação e a identificação
são alicerces iniciais da formação da personalidade. Os adultos estão sendo
obrigados a fazer de conta que está tudo bem, estão sendo proibidos de sentir o
que sentem por dentro, dissimulando por decreto a saudável coerência entre
dentro e fora deles. As crianças farão o mesmo, dissimularão.
Lamentável também que a semântica de uma
linha de um psicanalista, venha reger a nomenclatura que deve ter o rigor da
Lei. Trocar o termo “Guarda Familiar” por “Convivência Familiar”, é pegar um
significante, como é do uso da linguagem jurídica atual e minimizar, mitigar,
fragmentar, a responsabilidade contida no conceito. Convivência se tem com
vizinhos também e eles não tem responsabilidade com nossas crianças. “Guarda”
tem o significante de objeto sim, mas de objeto de responsabilidade.
Lamentável que instituímos, mais uma vez,
o faz de conta na nova Lei. Faz de conta que, por causa da Lei da Guarda
Compartilhada, os pais homens vão se tornar extremamente devotados, que eles vão
abrir mão de seus hábitos, não vão entregar suas crianças para suas novas
namoradas ou para parentes e vizinhos para ir se divertir com suas novas
namoradas, que estes ex-maridos não vão proferir que adjetivos elogiosos quando
se referirem à mãe da criança, inclusos os divórcios litigiosos. Só
entendimentos e afagos.
Lamentável que não tenhamos a compreensão
de que não há “gozo” e sim luto, um processo como toda perda afetiva, como bem
define a autora jurista Maria Clara Sottomayor. Criminalizando, complicamos o
que é delicado. Não é obrigando por uma Lei que iremos proporcionar o bem estar
afetivo de sustentação para a criança. Não tem sido considerado, por exemplo,
que as tais “duas casas” são, predominantemente, nocivas ao desenvolvimento
psicológico e à saúde mental das crianças. Estamos patrocinando uma verdadeira obesidade
de agravamentos de litígios entre adultos ex-casais e de adoecimento de
crianças que sofrem com esta obesidade. Há muita fragilidade na formação
teórico-técnica e nas especializações dos profissionais de psicologia, que
deveriam prestar uma assessoria e um acompanhamento de qualidade, vide mídia,
torna a situação ainda mais grave. Pensar que um casal em processo de divórcio
litigioso, brigando com ou sem razão por qualquer coisa da partilha, por
exemplo, “obedecerá” a lei de ótima convivência quando, no momento seguinte,
for resolver sobre o rendimento escolar, se aula particular ou disciplina mais
exigente de uma criança, é pura ilusão, puro faz de conta.
Como já afirmamos uma lei não muda um
comportamento. Ainda mais no reino da injustiça e da impunidade. Os países que
tem a Guarda Compartilhada como procedimento comum tema prática do respeito às
leis, do respeito aos direitos do outro, tem a prática de executar as devidas
punições quando este respeito é violado. Querer pular etapas de desenvolvimento
humano não traz o resultado sonhado porque não vamos ficar iguais a eles só
porque temos uma lei igual no papel.
A ditadura da lei imposta em sociedade
despreparada pode ser desastrosa. Em meio ao clamor de pais homens, sedentos
por igualdade de tempos de convivência com filho, abrigam-se, sob o manto da
justiça, perversos que, com seus discursos vitimizados e de auto-alienação
parental, não querem perder o tamanho do acesso que tinham ao corpo daquele
filho ou filha, para usá-lo. A Justiça não tem o direito de ser ingênua. Já o
foi no emblemático caso do Bernardo, que acabou sendo ouvido pela morte. Culpa
ou dolo?
Há que se entender que afeto não aparece
por obrigação de estar junto. Os pais que estão tomando a cervejinha no
botequim ou vendo o futebol na televisão amam seu filho ou filha sim! A
obrigação de convivência não irá mudar estes hábitos, mas, certamente, deixará
na criança o sentimento de desimportância, criando um problema para ela onde
não havia. É o papel de pai que está sendo aumentado quantitativamente. Seria a
função de pai que deveria estar sendo melhorada qualitativamente.
Ditar por repressão que os sentimentos
genuínos que advêm de uma separação, abortar o saudável processo de luto, que
percorre do alívio inicial à tristeza das perdas subjetivas por um a dois anos,
devem ser substituídos pela dissimulação desses sentimentos em prática de um
falso self, fazer papel de, é construir no ar, comprometendo fatalmente a
possibilidade de efetivação do compartilhamento das responsabilidades dos
filhos. Se, a realidade mostra, com todas as letras, que não temos
responsabilidade empática com as crianças, como vamos exercer a “Guarda
Compartilhada”? O aumento da interferência da justiça dentro de nossos lares é
uma evidência da imaturidade para gerir nossas famílias.
Repressão autoritária, que nunca funcionou
bem como método de evolução humana, tem em seus desdobramentos a indução à
transgressão e à tortura, em suas diversas formas. Denuncia a precariedade de
vivência de cidadania. Guarda Compartilhada é o melhor dos mundos para a
criança. Mas, não há mágica, há processos de educação e amadurecimento,
cultura, respeito ao outro e principalmente deveria haver à criança, e, o já
monótono faz de conta pode nos custar muito caro.