sábado, 25 de outubro de 2025

Ainda sobre o Setembro Amarelo

Ainda sobre o Setembro Amarelo, o Suicídio. Em Setembro concentramos nossos olhares para esse ato tão provocador, tão enigmático, tão desconcertante. Quando alguém atenta com êxito contra a própria vida, resta sempre a pergunta: por que? E temos dificuldade de seguir sem a resposta. Nunca saberemos. Suportar esse nunca saber é, por vezes, insuportável. E começamos a dar as nossas explicações que nunca serão abalizadas. Mas tentamos nos convencer que “temos razão, foi por causa daquilo” A impotência incomoda demais. Estamos refletindo sobre o suicídio planejado, e decidido por motivos que não alcançamos. Faz-se necessário que coloquemos à disposição a escuta, a ajuda amiga ou profissional, com solidariedade e empatia para tentar demover uma ideação suicida. Instituições de escuta e atendimento à distância devem ser bem amparadas, e os voluntários bem cuidados para que cuidem. Infelizmente, só agradecemos, aos voluntários dessa escuta tão difícil. Não vejo uma Política Pública de Cuidado que alimente e sustente esses ouvintes especializados nessa quase Arte. Aplaudimos. Só. Gostaria de trazer uma questão que tange o suicídio tentado por outro motivo e uma Política Pública que desampara, completamente, aqueles que tentam matar a dor que está matando. Refiro-me aqui aos pacientes psiquiátricos que entram em surto com alucinações proprioceptivas. Essas são alucinações que fazem o paciente acreditar que existem bichos, insetos, cobras, caminhando pela sua pele. Esse tipo de alucinação é frequente em usuários de álcool, nos estados de delirium tremens, em usuários de cocaína, e em algumas esquizofrenias. Os episódios de alucinações proprioceptivas levam o paciente ao desespero. Acompanhei há pouco tempo, mais uma vez, um ataque de baratas que entravam pelos olhos, que promoveram uma tentativa de suicídio. O paciente correu pela rua, entre os carros, batia, compulsivamente com a cabeça contra os carros, tentou ser atropelado, fraturou alguns ossos da face, 3 costelas, provocou hemorragias nos olhos. Foi levado pela polícia que o socorreu à Emergência de um Hospital Público. Atendido, “atendido”, Raio X que constataram as fraturas, estancada a hemorragia dos olhos, e liberado, sem acompanhamento de ninguém. Sua mãe entrou no circuito e procurou uma internação psiquiátrica. Em Clínicas particulares, havia exigências do tipo não receber com lesões físicas. Como assim? Não estudaram esse quadro? Foi conseguida uma vaga no Hospital Psiquiátrico Público, que o internou, mas, deu alta no dia seguinte. Sim! Deu alta em 30 horas. Pasmem! Sem a presença de nenhum familiar. Quem sabe o novo plantonista, seguindo à risca a determinação da Política Antimanicomial, tenha desconsiderado os hematomas, o inchaço dos ossos quebrados, e menos ainda as baratas. Sabemos que quem executa a Política é um humano, então...E ele saiu a pé rodando pela cidade até que chegou em casa à noite. Recomeçava a saga de buscar uma internação particular. Este é um ponto a ser pensado. A Política Antimanicomial imagina que a importância da “família” do paciente abarca essas situações. O STF já determinou que se fechassem todos os leitos psiquiátricos seguindo o discurso de abandono, pela família, de pacientes psiquiátricos nos hospitais. Não estou defendendo os depósitos desses pacientes, sabemos de casos que o paciente passou o resto da vida morando no hospital. Mas será que não haveria um trabalho a ser realizado por assistente social e equipe médica, que orientasse e desse respaldo às famílias para que elas, junto com a equipe psiquiátrica, pudessem prestar a assistência que o paciente precisa? Alguém, baluarte da Política Antimanicomial, já viveu uma situação desse tipo dentro da família? Uma família não consegue arcar sozinha no cuidado da doença mental de um de seus membros. É até poético dizer que a família tem que cuidar do paciente, mas alguém já verificou o que é causado por um paciente psiquiátrico, em surto, numa comunidade, num prédio? E do mesmo jeito que ele atenta contra a própria vida quando têm alucinações proprioceptivas, ele atenta contra a vida do outro quando está tendo um delírio persecutório. A doença mental não respeita Direitos do Outro, nem do próprio. Se respeitasse não seria diagnosticada, haveria adequação à sociedade do entorno. Fecham-se os leitos psiquiátricos em nome de inserir o paciente em sua família, mas nada é feito para habilitar, o possível, essa família para contê-lo sem que cometa um crime. É muito bonito, mas é desumano, é cruel, se deixar um paciente entregue a seus delírios e alucinações em nome de evitar que sua família não o recupere mais de uma necessária internação. Não podemos esquecer que a internação é uma proteção para o portador de doença.

Nenhum comentário:

Postar um comentário